No universo dos financiamentos imobiliários, muita gente acha que basta pagar a parcela em dia e torcer para ver a dívida diminuir. Só que a matemática financeira não perdoa: se você não fizer amortizações extras, vai passar boa parte da vida bancando juros. Aquele amigo do bar que sempre reclama que “financiamento não acaba nunca” provavelmente está quitando apenas o mínimo. Num contrato de trinta anos, pagar R$ 200 a mais por mês ou um aporte anual maior pode encurtar o prazo de forma surpreendente. Especialistas do setor explicam que, quanto mais cedo se antecipam parcelas, menor o saldo devedor e, por consequência, os juros sobre ele.
Antes de sair atirando na dívida, convém entender como funciona o seu contrato. Os financiamentos habitacionais no Brasil normalmente usam os sistemas SAC (Sistema de Amortização Constante) ou Price. Na SAC, as prestações começam mais altas e caem ao longo do tempo, porque a parcela de amortização é fixa e os juros incidem sobre o saldo remanescente. Já no Price, as parcelas são iguais do início ao fim, mas a proporção de juros é maior no começo. A Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) calcula que uma amortização de 10% do saldo devedor nos primeiros anos pode reduzir o prazo do financiamento em até três anos.
Um caso emblemático é o de João e Maria, moradores de Curitiba, que financiavam um apartamento em 25 anos. Depois de receberem o 13º salário e sacarem parte do FGTS, decidiram antecipar R$ 20 mil. Eles não apenas reduziram em quase quatro anos o tempo total do financiamento, como economizaram cerca de R$ 50 mil em juros, segundo as simulações do banco. “Fomos orientados por um consultor financeiro a manter uma reserva de emergência e, com o que sobrasse, amortizar”, conta Maria. O planejador financeiro César Siqueira destaca que a amortização deve ser planejada: “Não adianta jogar todo o dinheiro extra no financiamento e ficar sem caixa para uma eventualidade. O ideal é equilibrar amortizações regulares com investimentos de longo prazo”.
Há, ainda, formas diferentes de amortizar. Você pode reduzir o valor das parcelas mensais (mantendo o prazo) ou reduzir o prazo do contrato (mantendo a parcela). Na maioria dos casos, a segunda opção gera maior economia de juros, pois o tempo total da dívida cai. Alguns programas habitacionais, como o Minha Casa Minha Vida, permitem o uso periódico do FGTS para amortização a cada dois anos. Bancos como Caixa Econômica Federal e Itaú oferecem aplicativos nos quais o cliente solicita amortizações online; é possível agendar aportes anuais ou semestrais.
Mas nem tudo são flores. Antes de amortizar, verifique se o contrato prevê multa ou taxa adicional. Desde 2016, a Lei 13.183 garante que não haja mais multa para quitação antecipada de contratos imobiliários, mas ainda há tarifas administrativas. Vale conferir com seu gerente se há cobrança de taxa de serviço. Além disso, se você tem um financiamento atrelado ao IPCA ou a taxa de poupança e as taxas de juros estiverem em patamar muito baixo, pode ser mais rentável aplicar o dinheiro extra em investimentos que rendam acima da inflação. Em 2024, por exemplo, a taxa Selic estava em queda, tornando alguns CDBs e fundos imobiliários atraentes.
Falando em investimentos, há especialistas que defendem o chamado “contraponto da amortização”: se você consegue uma taxa de retorno acima do custo efetivo total do seu financiamento, aplicar seu dinheiro pode render mais que quitá-lo. É o caso de Ana, engenheira que financiou um apartamento com juros de 7% ao ano. Ela optou por investir seus R$ 30 mil em títulos do Tesouro IPCA+ que pagavam cerca de 8,5% ao ano. Dessa forma, a rentabilidade do investimento superava os juros pagos no financiamento. Obviamente, ela continuou amortizando pequenas quantias anualmente para não alongar demais a dívida e mantinha uma reserva de liquidez.
Por fim, lembre-se de que amortizar é uma decisão financeira e emocional. Quitar o apartamento mais cedo traz tranquilidade e sensação de liberdade, mas não deve comprometer seu bem-estar. Converse com seu banco, simule cenários no internet banking e, se possível, consulte especialistas. Talvez seja mais interessante juntar um montante durante alguns meses e fazer uma amortização significativa, ou distribuir parcelas extras ao longo do ano, como no aniversário do FGTS. O importante é ter um plano: olhar para o futuro e escolher se quer viver vinte anos com a sombra do banco ou encurtar o caminho para celebrar a escritura em seu nome.